O Cão e o Lobo - Fábula de
Monteiro Lobato
Um lobo muito magro e faminto, todo pele e ossos,
pôs-se um dia a filosofar sobre as tristezas da vida. E nisso estava quando lhe
surge pela frente um cão – mas um cão e tanto, gordo, forte, de pelo fino e
lustroso.
Espicaçado pela fome, o lobo teve ímpeto de
atirar-se a ele. A prudência, entretanto, cochichou-lhe ao ouvido: - “Cuidado!
Quem se mete a lutar com um cão desses sai perdendo”.
O lobo aproximou-se do cão com toda a cautela e
disse :
- Bravos! Palavra de honra que nunca vi um cão mais
gordo nem mais forte. Que pernas rijas, que pelo macio! Vê-se que o amigo se
trata ...
- É verdade! – respondeu o cão. Confesso que tenho
tratamento de fidalgo. Mas, amigo lobo, suponho que você pode levar a mesma boa
vida que levo.
- Como?
- Basta que abandone esse viver errante, esses
hábitos selvagens e se civilize, como eu.
- Explique-me lá isso por miúdo, pediu o lobo com
um brilho de esperança nos olhos.
- É fácil. Eu apresento você ao meu senhor. Ele,
está claro, simpatiza-se e dá a você o mesmo tratamento que dá a mim: bons
ossos de galinha, nacos de carne, um canil com palha macia. Além disso,
agrados, mimos a toda hora, palmadas amigas, um nome.
- Aceito! – respondeu o lobo. Quem não deixará uma
vida miserável como esta por uma de regalos assim?
- Em troca disso – continuou o cão – você guardará
o terreiro, não deixando entrar ladrões nem vagabundos. Agradará ao senhor e à
sua família, sacudindo a cauda e lambendo a mão de todos.
- Fechado! resolveu o lobo – e emparelhando-se com
o cachorro partiu a caminho da casa. Logo, porém, notou que o cachorro estava
de coleira.
- Que diabo é isso que você tem no pescoço?
- É a coleira.
- E para que serve?
- Para me prenderem à corrente.
- Então não é livre, não vai para onde quer, como
eu?
- Nem sempre. Passo às vezes vários dias preso,
conforme a veneta do meu senhor. Mas que tem isso, se a comida é boa e vem à
hora certa?
O lobo entreparou, refletiu e disse:
- Sabe do que mais? Até logo! Prefiro viver magro e
faminto, porém livre e dono do meu focinho, a viver gordo e liso como você, mas
de coleira ao pescoço.
Fique-se lá com a sua gordura de escravo que eu me
contento com a minha magreza de lobo livre.
E afundou no mato.
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