A cigarra e as formigas - Fábula
de Monteiro Lobato
Havia uma jovem cigarra que tinha o costume de
chiar ao pé dum formigueiro. Só parava quando cansadinha; e seu divertimento
então era observar as formigas na eterna faina de abastecer as tulhas.
Mas o bom tempo afinal passou e vieram as chuvas.
Os animais todos, arrepiados, passavam o dia cochilando nas tocas.
A pobre cigarra, sem abrigo em seu galhinho seco e
metida em grandes apuros, deliberou socorrer-se de alguém.
Manquitolando, com uma asa a arrastar, lá se
dirigiu para o formigueiro. Bateu --- tique, tique, tique... aparece uma
formiga friorenta, embrulhada num xalinho de paina.
- Que quer? Perguntou, examinando a triste mendiga
suja de lama e a tossir.
- Venho em busca de agasalho. O mau tempo não cessa
e eu...
A formiga olhou-a de alto a baixo.
- E que fez durante o bom tempo, que não construiu
sua casa?
A pobre cigarra toda tremendo, respondeu depois dum
acesso de tosse:
- Eu cantava, bem sabe...
- Ah!... exclamou a formiga recordando-se. Era você
então que cantava nessa árvore enquanto nós labutávamos para encher as tulhas?
Isso mesmo, era eu...
- Pois entre, amiguinha! Nunca poderemos esquecer
as boas horas que sua cantoria nos proporcionou. Aquele chiado nos distraia e
aliviava o trabalho. Dizíamos sempre: que felicidade ter como vizinha tão
gentil cantora! Entre, amiga, que aqui terá cama e mesa durante todo o mau
tempo.
A cigarra entrou, sarou da tosse e voltou a ser a
alegre cantora dos dias de sol.
A formiga má
Já houve, entretanto, uma formiga má que não sobe
compreender a cigarra e com dureza a repeliu de sua porta.
Foi isso na Europa, em pleno inverno, quando a neve
recobria o mundo com o seu cruel manto de gelo. A cigarra, como de costume,
havia cantado sem parar o estio inteiro, e o inverno veio encontrá-la
desprovida de tudo, sem casa onde abrigar-se, nem folhinhas que comesse.
Desesperada, bateu à porta da formiga e implorou
--- emprestado, notem! --- uns miseráveis restos de comida. Pagaria com juros
altos aquela comida de empréstimo, logo que o tempo o permitisse.
Mas a formiga era uma usurária, sem entranhas. Além
disso, invejosa. Como não soubesse cantar, tinha ódio da cigarra por vê-la
querida de todos os seres.
- Que fazia você durante o bom tempo?
- Eu... eu cantava! ...
- Cantava? Pois dance agora, vagabunda! E
fechou-lhe a porta no nariz.
Resultado: a cigarra ali morreu entanguidinha; e
quando voltou a primavera o mundo apresentava um aspecto mais triste. É que
faltava na música do mundo o som estridente daquela cigarra morta por causa da
avareza da formiga. Mas se a usurária morresse, quem daria pela falta dela?
Os artistas – poetas, pintores, músicos – são as
cigarras da humanidade.
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